terça-feira, 10 de julho de 2007

Velho Novo Mundo

Pra algumas pessoas é absolutamente impensável. Pra outras, é até possível. Há quem, no entanto, encare como um alívio. Pra mim não é nada disso. É só mais um passo. Voltar pra casa de papai e mamãe (no meu caso, só mamãe) após ter vivido anos sozinho. E longe.

Num dia você tem apartamento, carro, dinheiro e independência. No outro você tem somente o seu bom e velho quarto. Antes você chegava tarde e não tinha ninguém pra reclamar que você faz barulho de madrugada. Porém, saía cedo e não tinha ninguém pra te desejar bom dia. Ninguém em casa preocupado por que você tava na rua, não avisou que voltava tarde e ainda não ligou. Mas também ninguém pra incomodar naquela hora inconveniente. Enfim, ônus e bônus. Assim é a vida.

E o que sobra? O bom e velho quarto. Tenho uma relação muito estreita com esse cômodo. Afinal, acho que vivi aqui uns 20 anos da minha vida. Quase 2/3 de toda ela. Ele não mudou muito desde a adolescência pra cá. O armário sempre foi o mesmo. Reformado e alterado, mas o mesmo. Engraçado como gosto dele. Ocupa toda uma parede, e, depois da reformo, ganhou portas de fórmica preta e acabamento em madeira clara. Puxadores elegantes e pretos também. Vocês podem não gostar do pretume, mas eu gosto. É elegante. Quase minimalista. Na mesma reforma mandamos fazer uma cama também preta com acabamento em madeira. É de solteiro, infelizmente. Aliás, um dos maiores desafios é me acostumar novamente a uma caminha estreita. Mas é boa, muito boa. Acima dela duas prateleiras reforçadas. Criadas a base de Toddy. Imaginem a cor? Isso, pretas. Com acabamento em madeira clara. Elas tinham que ser fortes pois sobre elas repousavam, além do aparelho de som e 4 caixas acústicas, uma grande coleção de CDs. Hoje estão vazias. Só o velho aparelho carrossel que já não funciona. Estou aguardando chegar a mudança – que, pasmem, ainda não veio – pra dar um fim nele. Ainda nesta parede fica um xodó. Um surrado quadro de cortiça. Desses que todo adolescente já teve no quarto. Repleto de fotos. Fotos antigas. Da época em que ainda se mandava revelar. Logo, estão todas amareladas, ou num tom puxado pro sépia. Efeito do tempo. Seguindo, vem a parede que tem o janelão. Está toda coberta por persianas brancas, bem ao estilo escritório. Só no canto direito, que escapa à persiana, descansa um pôster meu ainda bebe. Rechonchudo, cabelos de anjinho, castanho avermelhados. A mesma carinha, diz minha mãe. Abaixo da janela, a escrivaninha. É onde estou sentado agora. De frente pra janela, laptop aberto, janela fechada. A ultima parede é onde fica um móvel grande, comprido, cujo nome não sei. A cor também é preta. E NÃO, o meu quarto não tem ar fúnebre. É muito elegante. Nesse móvel tem mais um computador, toda a parafernália que se liga a ele como impressora, scanner, etc. Além de muitos livros. Essa parede é toda coberta por uma bandeia do Brasil enorme. Enorme. Minha homenagem à pátria. No canto há uma televisão presa num negócio muito famoso nos anos 80. O tal de girovisão. É uma forma de ganhar espaço aonde não se tem. Prende-se a TV no alto, na parede, feito um xaxim de planta. No chão, dois tapetes complementam este ambiente mágico que por tantos anos foi, e agora volta a ser, o meu mundo. Os tapetes tem a função de não deixar a cadeira do computador e a da escrivaninha arranharem o chão, mas, curiosamente, eles nunca estão corretamente debaixo delas.

Enfim, este é o meu Velho Novo Mundo. Aqui já me tranquei pra desenhar, estudar, pra ouvir musica alta, pra falar de madrugada com namorada, pra ver filme de sacanagem, pra chorar e pra rir. Eu e esses móveis. Esses badulaques. Sei a origem de cada marca no chão, cada arranhão, cada risco, cada detalhe. Fui eu quem os fez. Neste quarto está assim, eternizada no tempo, a minha vida. Impressa nestas marcas que só eu entendo. Uma linha do tempo invisível. E agora, como se não houvesse escapatória, é pra cá que eu volto. Teria sido um plano calculado pelos objetos que eu havia deixado para trás? Por estes móveis que por tantos anos usei? Por esta cama em que eu dormia?

Muitos de vocês já devem ter lido um excelente livro de Carlos Heitor Cony. ‘Quase Memória’. Nele Cony tem um reencontro com seu pai. Através de um misterioso pacote recebido por ele, sem remetente, Cony reconhece inúmeros signos que o levam a crer que o pacote havia sido feito, embrulhado, escrito e remetido pelo seu próprio pai, já falecido. Mas como podia? É um exercício de memória do escritor. Ele encontra traços de seu pai em casa dobra do pacote, cada letra escrita à caneta tinteiro, cada borrão, o barbante, o peso do embrulho e a cor do papel pardo. E assim, cada signo remetendo a uma memória de seu falecido pai, o escritor tem um lindo reencontro com suas próprias memórias da época de garoto. Um reencontro com seu passado. O paralelismo é tátil. Posso sentir as memórias saltando. Ao deslizar os dedos sobre estas paredes, ao levantar e abaixar a persiana, ao abrir uma porta do armário, uma recordação me vem à cabeça quase que imediatamente. Diferentemente de Cony, estou reencontrando a mim mesmo. Minha história, que por pouco mais de um par de anos aqui ficou adormecida. Aguardando e conspirando o meu retorno.

É bom estar de volta. Muito bom.

Um comentário:

Katá! disse...

Ei, Fred! Show o seu blog, adorei!

Vou procurar o livro Quase Memória que você cita. Já tinha ouvido falar dele, mas acabei deixando pra lá. Depois da sua "resenha" me bateu muita vontade, talvez pelo fato de eu também estar vivendo de memórias aqui..

Show! Já adicionei o seu blog nos meus favoritos. Aguarde meus comentários!

bjao,
Katá!