Realmente, ouvir Grateful Dead faz com que meus neurônios fiquem mais em ebulição do que os de Bob Marley, depois de um catch a fire caprichado. Depois de um up in smoke. Depois das aventuras de Cheech and Chong.
Fico doidão. E, neste estado alterado, começo a divagar. Hoje, esta viagem mental levou-me até o meu avô materno. Senhor Donald Son. Sim, este era seu nome. Na verdade, era uma corruptela: Donalson. Donalson Moreira Lima.
Seu Donalson teve vida dura. Veio do campo, com 7 filhos na bagagem, juntamente com sua esposa, Vovó Maria. A vida pro seu Donald Son não foi mole. Desde o início, lá no Espírito Santo, ele "pelejava no campo". Cuidava das terras que o Pai de vovó Maria, então grande plantador de café do Vale do Paraíba, havia deixado sob seu escrutínio.
Como 70% das famílias brasileiras na década de 50, a numerosa família de seu Donald Son mudou-se do campo para a cidade, em busca do sonho de viver em meio a um Brasil milagroso. Seu Donald Son então abriu uma mercearia. Um "armazém", uma "venda", como chamavam na época. E ela prosperou. Muito. E Donald pode criar seus 7 filhos com muita dignidade.
Já idoso, seu Donald Son perdeu uma perna. Sua única filha mulher - minha mãe - até hoje defende a tese de erro médico. Eu não sei. Não era nascido. Logo, já conheci meu avô com perna mecânica. E era nessa perna de pau - engenhosamente articulada - que ele me colocava sentado, a olhar o movimento da rua e me falar da vida. Perguntava das minhas notas e do meu comportamento no colégio. As notas eram sempre boas, o que o orgulhava muito. O comportamento era "R", de regular (bondade das minhas professoras, pois eu merecia mesmo era "F" de fraco). Mas seu Donald Son não era bobo. Conhecia o neto. E ele me repreendia. "R é ruim", dizia meu velho avô de perna de pau.
E Donald Son, no final da tarde comia um prato de angu. Um reforço pros muques dizia ele. E, após comer, me mostrava o "batatão", fazendo o muque, contraindo o bíceps. Apesar de já velho, seu Donald era forte feito um touro. E pedia para que eu comesse bem, pra ter batatão também. Homem simples. Homem sábio.
Nunca perguntei-o o motivo do seu nome. A família era toda de portugueses. Por que Donald Son? Quem fora Donald? Meu bisavô? Nunca saberei. Ou melhor, não saberei com facilidade. Um dia achei nos alfarrábios de meu avô, perdido entre os livros em que ele anotava as vendas fiadas do armazém, um velho livro com a árvore genealógica da minha família. Eu era pequeno demais para guardar algum nome, ou história importante. Mas lembro que o livro tinha uma lombada grande, e a árvore era enorme. Isso dá combustível pra minha imaginação até hoje. Gosto de pensar que descendo de grandes homens. Homens com batatão. Simples e sábios.
E assim lembro de meu avô. Altivo, forte, calvo, em pé com a bengala que o ajudava a se apoiar na perna de pau, sempre escondida sob calças compridas passadas com esmero por Vovó Maria. E ele parava feito um cão de guarda na frente do prédio em que moravam. Uma sentinela. Parecia que dalí controlava a ordem do mundo. Que todas as coisas estavam sob seu domínio e responsabilidade. Seu olhar era duro e retesado. Enquanto isso, eu, criança pequena, brincava nos jardins, em meio a terra e planta. Virava e mexia seu Donald Son se virava, sol atrás de si, abrandava sua expressão, abria um sorriso e me fazia o muque a distância.
Eu, lá do fundo do jardim gritava, sorrindo: "batatão, vovô!"
Fico doidão. E, neste estado alterado, começo a divagar. Hoje, esta viagem mental levou-me até o meu avô materno. Senhor Donald Son. Sim, este era seu nome. Na verdade, era uma corruptela: Donalson. Donalson Moreira Lima.
Seu Donalson teve vida dura. Veio do campo, com 7 filhos na bagagem, juntamente com sua esposa, Vovó Maria. A vida pro seu Donald Son não foi mole. Desde o início, lá no Espírito Santo, ele "pelejava no campo". Cuidava das terras que o Pai de vovó Maria, então grande plantador de café do Vale do Paraíba, havia deixado sob seu escrutínio.
Como 70% das famílias brasileiras na década de 50, a numerosa família de seu Donald Son mudou-se do campo para a cidade, em busca do sonho de viver em meio a um Brasil milagroso. Seu Donald Son então abriu uma mercearia. Um "armazém", uma "venda", como chamavam na época. E ela prosperou. Muito. E Donald pode criar seus 7 filhos com muita dignidade.
Já idoso, seu Donald Son perdeu uma perna. Sua única filha mulher - minha mãe - até hoje defende a tese de erro médico. Eu não sei. Não era nascido. Logo, já conheci meu avô com perna mecânica. E era nessa perna de pau - engenhosamente articulada - que ele me colocava sentado, a olhar o movimento da rua e me falar da vida. Perguntava das minhas notas e do meu comportamento no colégio. As notas eram sempre boas, o que o orgulhava muito. O comportamento era "R", de regular (bondade das minhas professoras, pois eu merecia mesmo era "F" de fraco). Mas seu Donald Son não era bobo. Conhecia o neto. E ele me repreendia. "R é ruim", dizia meu velho avô de perna de pau.
E Donald Son, no final da tarde comia um prato de angu. Um reforço pros muques dizia ele. E, após comer, me mostrava o "batatão", fazendo o muque, contraindo o bíceps. Apesar de já velho, seu Donald era forte feito um touro. E pedia para que eu comesse bem, pra ter batatão também. Homem simples. Homem sábio.
Nunca perguntei-o o motivo do seu nome. A família era toda de portugueses. Por que Donald Son? Quem fora Donald? Meu bisavô? Nunca saberei. Ou melhor, não saberei com facilidade. Um dia achei nos alfarrábios de meu avô, perdido entre os livros em que ele anotava as vendas fiadas do armazém, um velho livro com a árvore genealógica da minha família. Eu era pequeno demais para guardar algum nome, ou história importante. Mas lembro que o livro tinha uma lombada grande, e a árvore era enorme. Isso dá combustível pra minha imaginação até hoje. Gosto de pensar que descendo de grandes homens. Homens com batatão. Simples e sábios.
E assim lembro de meu avô. Altivo, forte, calvo, em pé com a bengala que o ajudava a se apoiar na perna de pau, sempre escondida sob calças compridas passadas com esmero por Vovó Maria. E ele parava feito um cão de guarda na frente do prédio em que moravam. Uma sentinela. Parecia que dalí controlava a ordem do mundo. Que todas as coisas estavam sob seu domínio e responsabilidade. Seu olhar era duro e retesado. Enquanto isso, eu, criança pequena, brincava nos jardins, em meio a terra e planta. Virava e mexia seu Donald Son se virava, sol atrás de si, abrandava sua expressão, abria um sorriso e me fazia o muque a distância.
Eu, lá do fundo do jardim gritava, sorrindo: "batatão, vovô!"