Sexta feira passada - dia 20/07 - saímos pra tomar chopp. Como de costume. Fomos ao 'Sao Nunca', bar que eu detesto, mas que, por ficar a pé de casa, sempre estamos por lá bebericando.
Era uma noite agradável e eu, Caren e Bolinha caminhávamos até o bar, aproveitando a brisa da praia. Foi quando passamos por um ponto de onibus, aonde, sozinha, no escurinho, descansava uma carteira abandonada. Foi Caren quem a viu e, com muita discriçao me apontou. Coloquei-a no bolso e seguimos com cara de que nada havia ocorrido. O ponto estava vazio e, muito provavelmente, o dono da carteira havia tomado o onibus há menos de um minuto. Afinal, malandro tem olho clinico pra oportunidade e a carteira nao iria ficar alí por muito tempo. Era fato recente. Ou, pegadinha do Faustao.
Em menos de um minuto chegamos ao bar, sentamos, pedimos chopp (antes de mais nada, é claro), cumprimentamos os presentes e aí entao, de copo na mao, procedemos ao relato do fato. 'Ta todo mundo com suas carteiras aí?'; 'Alguém perdeu a carteira?' (só pra fazer um mistério). Bem, rufaram os tambores e tirei a carteira do bolso. Nunca, jamais, havia passado pela nossa cabeça de nos aproveitarmos da situaçao. De surrupiar o dinheiro e entregar a carteira à polícia ou coisa que o valha. Na verdade, nossa única intençao era devolve-la, intacta, ao desatento e azarado dono. Caren sugeriu deixarmos na cabine da polícia que existe na praia. Nao. Bolinha disse para deixarmos na caixa de correio. Nao. Nenhuma me pareceu confiável. Entao, meio sem saber o que fazer, resolvi, pela primeira vez, abrir a carteira.
Era uma carteira de couro. Bonita, até. Marrom escuro. Nova. Tamanho ideal. Me deu uma invejazinha do dono, pois eu (e Caren) procuro um modelo assim pra mim há tempos. Enfim, abri. De cara a identidade: Carlos Silva. 50 e poucos anos, negro, bigodao, olhos simpáticos. O que me chamou imediata atençao foi a filiaçao: Celina Silva, apenas. Carlos Silva nao tinha pai declarado. Carlos Silva era um trabalhador. Humilde. Igual a milhoes outros Carlos Silva nesse imenso Brasil. Outros aspectos atrairam minha atençao. Cartao de orelhao 'Oi'. Cartao 'Fininvest'. Nao abri a parte do dinheiro - nem mesmo me interessava o quanto havia alí. Mas, no manusear, vi um dolarzinho. O clássico dolar da sorte. Carlos Silva, assim como eu, também tinha um dolarzinho da sorte na carteira. Enquanto meu pensamento (muito pouco normal) viajava imaginando quem seria Carlos Silva, como era sua vida - que me parecia tao distante e diferente da minha, as pessoas ao meu redor berravam 'Procura um numero de celular', 'Ve se tem algum telefone', 'Quanto tem de grana?', 'U-hu, vamos beber por conta do Carlos Silva'. Etc.
De fato havia um numero de celular. Numa das repartiçoes da carteira tinha, anotado numa tirinha de papel (como aquelas de biscoito da sorte do China in Box), um numero de celular. O primeiro impulso era sacar o meu celular e bater um fio pro Carlitos (que, nesse momento, já era amigo íntimo meu). Mas a voz da razao falou mais alto e eu lembrei que estávamos no Brasil. Eu nada sabia sobre Carlos Silva e, talvez, nao fosse uma boa ele ter o numero do meu celular. Aí resolvi pedir à casa o telefone fixo. Chamei o garçom e pedi o telefone do 'Sao Nunca'. Expliquei a situaçao e ele ligou. Ouvi de canto ele dizer a Carlos Silva que sua carteira tinha sido encontrada e que ele poderia ir até lá pegá-la. A maladragem nao demorou a surgir. O graçom me pediu a carteira dizendo que ele mesmo entregaria a Carlos Silva. Nao. Nao topei. Eu era o guardiao dos trocados de Carlitos. Que Carlos Silva viesse até nossa mesa pegá-la. Isso feito, voltamos a beber. E muito.
Uma hora depois (e uns 5 chopps no meio tempo) tres garçons aboradaram e mesa. Junto a eles Carlos Silva. Negro, bonachao, bigodao, chapéu de panamá na cabeça e pandeiro debaixo do sovaco. Um boemio! Carlos Silva estava em extase. Meio anestesiado. Talvez pela incredulidade de ter ido do inferno ao céu. Numa hora tinha perdido tudo. Carteira, documentos, dinheiro. Na outra, os havia recuperado intactos. Qualquer um ficaria meio paspalho. Carlos Silva me olhou com os olhos apertados, olhou pra carteira em minhas maos e balbuciou algumas palavras que eu nao entendi. Entreguei a carteira a ele e ele me deu um abraço forte, agradecendo repetidamente. Seu segundo impulso foi abrir a carteira e me oferecer uma 'recompensa'. 'De jeito nenhum. Nao precisa. O que é isso'. Carlos Silva me agraeceu mais umas 47 vezes e partiu. Com sua roupa de pandeirista da Viradouro. Antes, palavras de 'tudo de bom a voce. Felicidades'. Ao qual respondemos: 'pra todos nós'.
Tornamos a beber. Dessa vez, à Carlos Silva.
Enfim, uma liçao. Estamos nessa vida para ajudarmos uns aos outros. É isso.
RUSH - Limelight
(...)
All the worlds indeed a stage
And we are merely players
Performers and portrayers
Each anothers audience
Outside the gilded cage
(...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário